Resolução do Parlamento Europeu, de 20 de abril de 2023, sobre a descriminalização universal da homossexualidade à luz dos recentes acontecimentos no Uganda ()
O Parlamento Europeu,
–Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
–Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,
–Tendo em conta a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
–Tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos,
–Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
–Tendo em conta a resolução sobre a proteção contra a violência e outras violações dos direitos humanos contra as pessoas, com base na sua orientação sexual ou identidade de género real ou imputada, adotada na 55.º sessão ordinária da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos em Luanda, Angola, de 28 de abril a 12 de maio de2014,
–Tendo em conta a declaração conjunta assinada por 85 países no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 22 de março de 2011, sobre a erradicação dos atos de violência e das violações conexas dos direitos humanos com base na orientação sexual e na identidade de género,
–Tendo em conta os Princípios de Yogyakarta sobre a aplicação da legislação internacional dos direitos humanos em matéria de orientação sexual e de identidade de género,
–Tendo em conta o relatório do perito independente das Nações Unidas em matéria de proteção contra a violência e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género, de 11 de maio de 2018,
–Tendo em conta o trabalho do Grupo Principal LGBTI das Nações Unidas, em particular a sua declaração de 19 de março de 2023, em que apela ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que integre melhor os direitos humanos das pessoas LGBTI no seu mandato internacional em matéria de paz e segurança,
–Tendo em conta a Resolução70/1 das Nações Unidas intitulada «Transformar o nosso mundo – A Agenda2030 para o Desenvolvimento Sustentável» (Agenda2030), adotada na Cimeira das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Nova Iorque em 25 de setembro de 2015, e que estabelece os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
–Tendo em conta a decisão, de 2022, do Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, do inglês Committee on the Elimination of Discrimination Against Women) das Nações Unidas no caso Rosanna Flamer-Caldera v. Sri Lanca,
–Tendo em conta a Comunicação conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 25 de março de2020, intitulada «Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia (2020-2024)» (JOIN(2020)0005),
–Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 12 de novembro de 2020, intitulada «União da Igualdade: Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025» (),
–Tendo em conta o Acordo de Parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) e a UE (Acordo de Cotonu), de 2000, e as cláusulas e os compromissos em matéria de direitos humanos contidos nesse acordo, em particular o artigo 8.º, n.º 4, o artigo 9.º, o artigo 31.º-A, alínea e), e o artigo 96.º, bem como o artigo 65.º,
–Tendo em conta as Diretrizes da UE para a promoção e a proteção do exercício de todos os direitos humanos por parte de lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais (LGBTIQ), adotadas em 24de junho de2013,
–Tendo em conta as Diretrizes da UE sobre a pena de morte, adotadas em12 de abril de2013,
–Tendo em conta as Diretrizes da UE no domínio dos direitos humanos relativas à não discriminação na ação externa, adotadas em 18 de março de 2019,
–Tendo em conta o Regulamento (UE) 2020/1998 do Conselho, de 7 de dezembro de2020, que impõe medidas restritivas contra violações e abusos graves dos direitos humanos(1),
–Tendo em conta o Tratado da União Europeia (TUE), nomeadamente os seus artigos21.º e 26.º,
–Tendo em conta a Agenda 2023-2025 para a inclusão e a diversidade no Serviço Europeu para a Ação Externa, adotada em 6 de março de 2023,
–Tendo em conta o projeto de lei ugandês contra a homossexualidade, de 21 de março de2023,
–Tendo em conta a Constituição do Uganda de 1995,
–Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre o Uganda,
–Tendo em conta a declaração de peritos das Nações Unidas, de 29 de março de 2023, em que se condena a chocante legislação anti-LGBT no Uganda,
–Tendo em conta a declaração do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, de 22 de março de 2023;
–Tendo em conta o artigo 132.º, n.os 2 e 4, do seu Regimento,
A.Considerando que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos;
B.Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos defende a dignidade e a igualdade de direitos inerentes a todos os seres humanos, sem distinção de qualquer tipo, incluindo os direitos inalienáveis à vida, à liberdade, à segurança pessoal e à proteção contra a discriminação, à liberdade de prisão ou detenção arbitrárias e ao respeito pela vida privada;
C.Considerando que, em muitas culturas antigas, incluindo as africanas, existiram tradicionalmente diversas formas de sexualidade e identidade de género;
D.Considerando que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estipula que todas as pessoas têm o direito de usufruir dos direitos e das liberdades reconhecidos e garantidos nessa Carta, sem qualquer tipo de distinção (artigo2.º), que todas as pessoas devem ser iguais perante a lei e têm direito a igual proteção da lei (artigo3.º) e que todos os seres humanos têm direito ao respeito pela sua vida e à integridade e ninguém pode ser arbitrariamente privado deste direito (artigo4.º);
E.Considerando que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) reconhece o direito à vida como um direito humano fundamental e afirma explicitamente que a pena de morte não deve ser imposta por crimes não violentos ou por crimes cometidos por pessoas com menos de 18anos de idade no momento da infração; considerando que o PIDCP proíbe a discriminação com base na orientação sexual e que a aplicação da pena de morte a relações entre pessoas do mesmo sexo viola este princípio;
F.Considerando que 61 países de todo o mundo - principalmente em África, no Médio Oriente e na Ásia - criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero por lei; considerando que dois outros países a criminalizam de facto; considerando que, no Catar, na Arábia Saudita, no Afeganistão, no Irão, no Iémen, na Somália, nos Emirados Árabes Unidos, no Brunei, no norte da Nigéria, na Mauritânia e no Paquistão, a sanção por atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo é a morte;
G.Considerando que as leis que criminalizam a atividade sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo violam direitos humanos fundamentais e protegidos a nível internacional;
H.Considerando que existe um movimento mundial no sentido da descriminalização da homossexualidade e da identidade transgénero, uma vez que o número de países que criminalizam atos consensuais entre pessoas do mesmo sexo diminuiu de 113 em1990 para 64 em 2023; considerando que este movimento é alimentado por uma consciência crescente de que as leis que criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero são discriminatórias e violam direitos humanos fundamentais, e que o progresso societal exige igualdade de acesso aos direitos; considerando que esta dinâmica crescente oferece esperança de que o mundo avance para um futuro mais justo e equitativo, em que todas as pessoas sejam livres de exercer os seus direitos sem receio de discriminação ou perseguição;
I.Considerando que, em abril de 2023, as Ilhas Cook se tornaram o último país a descriminalizar a homossexualidade, alterando a sua Lei sobre a criminalidade; considerando que, no início de 2023, Singapura descriminalizou «atos indecentes entre homens», alterando o seu Código Penal;
J.Considerando que, em muitos casos recentes, a descriminalização das relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo resultou de decisões judiciais, como o acórdão oral do Supremo Tribunal Barbadiano de dezembro de 2022 e o acórdão do Supremo Tribunal das Caraíbas Orientais de agosto de 2022;
K.Considerando que, em 21 de março de 2023, o Parlamento ugandês aprovou o projeto de lei contra a homossexualidade (a seguir designado por «o projeto de lei»); considerando que o projeto de lei propõe a aplicação da pena de morte pelo delito de «homossexualidade agravada», de prisão perpétua pelo crime de «homossexualidade», de uma pena até 14anos de prisão por «homossexualidade na sua forma tentada» e de uma pena até 20anos de prisão por «promoção da homossexualidade»; considerando que a última situação inclui a censura total das questões LGBTIQ, incluindo as organizações da sociedade civil que desenvolvem atividades de sensibilização em prol da defesa dos direitos humanos e dos cuidados de saúde; considerando que esta legislação colide com as próprias disposições constitucionais do Uganda, que estipulam a igualdade e a não discriminação para todos;
L.Considerando que, em 2009, 2012, 2013 e 2014, foram já propostas iterações anteriores de projetos de lei semelhantes que proíbem a promoção da homossexualidade e dos atos homossexuais, assinalando uma propensão para a transformação sistemática das pessoas LGBTIQ em bodes expiatórios; considerando que os políticos e os líderes religiosos nacionais e estrangeiros desempenharam um papel fundamental no incitamento à retórica de ódio contra as pessoas LGBTIQ no Uganda; considerando que já se está a assistir a um aumento da violência verbal e física, na sequência da aprovação do projeto de lei;
M.Considerando que o Presidente Yoweri Museveni proferiu declarações inflamatórias; considerando que ainda não promulgou o projeto de lei;
N.Considerando que, só em fevereiro de 2023, mais de 110 pessoas LGBT no Uganda denunciaram incidentes, incluindo detenções, violência sexual, despejos e desnudamentos coercivos em público;
O.Considerando que o Uganda tem sido parte no PIDCP desde 1995;
P.Considerando que a UE é o maior parceiro da cooperação para o desenvolvimento do Uganda; considerando que o programa indicativo plurianual da UE para o Uganda para o período de 2021-2024 dispõe de um orçamento total de 375milhões de euros;
Q.Considerando que o novo regime global de sanções da UE em matéria de direitos humanos, ao abrigo do Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia, permite à UE combater violações e abusos graves em matéria de direitos humanos em todo o mundo, independentemente do local onde ocorram, incluindo casos de assassinatos arbitrários e de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes;
R.Considerando que a situação no Uganda pode ter efeitos negativos na região, com o Quénia, o Níger e a Tanzânia a apresentarem projetos de lei semelhantes;
S.Considerando que todos os Estados-Membros da UE manifestaram repetidamente a sua oposição inabalável à pena de morte em qualquer momento e em todas as circunstâncias, considerando-a um tratamento desumano e degradante e contrário à dignidade humana; considerando que os Estados-Membros se comprometeram a defender incansavelmente a abolição total da pena capital;
T.Considerando que todos os Estados-Membros da UE condenaram inequivocamente leis, políticas e práticas discriminatórias, incluindo a criminalização de relações consensuais entre adultos do mesmo sexo ou pessoas de identidade transgénero; considerando que os Estados-Membros apelaram à UE para que envidasse esforços no sentido de alcançar a descriminalização da homossexualidade e da identidade transgénero; considerando que, em numerosas ocasiões, o Parlamento solicitou a países terceiros que avançassem na via da descriminalização como forma de garantir a indivisibilidade e o exercício de todos os direitos humanos por todas as pessoas LGBTIQ;
U.Considerando que o artigo 21.º do TUE estipula que «A ação da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento», em especial «democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional»;
V.Considerando que a política externa e de segurança comum da UE visa o desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais;
W.Considerando que o Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento obriga a UE e os seus Estados-Membros a aplicarem uma abordagem da cooperação para o desenvolvimento baseada nos direitos humanos, abrangendo todos os direitos humanos;
X.Considerando que o regime «Tudo Menos Armas» (TMA) da UE elimina os direitos aduaneiros e as quotas aplicáveis a todas as importações de mercadorias (exceto armas e munições) provenientes dos países menos desenvolvidos para a UE; considerando que a UE pode retirar as preferências TMA por violações graves e sistemáticas dos princípios estabelecidos nas convenções internacionais sobre direitos humanos fundamentais e direitos laborais, tais como abusos sistémicos dos direitos humanos;
Acontecimentos recentes no Uganda
1.Condena, com a maior veemência possível, o projeto de lei aprovado em 21 de março de 2023 pelo Parlamento ugandês, que aumenta as penas e alarga o âmbito da legislação do Uganda que criminaliza a homossexualidade e a identidade transgénero; considera que a sua aprovação constitui uma flagrante violação da Constituição ugandesa e das obrigações internacionais que incumbem ao Uganda nos termos da Carta Africana e da arquitetura do Direito Internacional das Nações Unidas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o PIDCP e a Carta das Nações Unidas; realça que este projeto de lei também é contrário aos compromissos políticos do país relativos ao desenvolvimento sustentável, em particular os ODS 3, 5, 10 e 16, e coloca ativamente em grave risco os direitos, a saúde e a segurança das pessoas;
2.Manifesta grande preocupação pelo facto de apenas 2 entre 389 parlamentares terem votado contra o projeto de lei; lamenta as observações do Presidente Museveni, que contribuíram para intensificar a retórica de ódio sobre as pessoas LGBTIQ; manifesta a sua preocupação perante o número de políticos, líderes religiosos e figuras dos meios de comunicação social que incitaram ao ódio; considera que a transformação das pessoas LGBTIQ em bodes expiatórios pela maioria da classe política ugandesa constitui um grave desenvolvimento que afeta os princípios da democracia, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos internacionalmente reconhecidos; considera que a promulgação deste projeto de lei prejudicaria inevitavelmente as relações entre a UE e o Uganda e exigiria que a UE redirecionasse o seu foco;
3.Recorda ao Governo ugandês as suas obrigações à luz do Direito Internacional e do Acordo de Cotonu, que preconiza o respeito dos direitos humanos universais e das liberdades fundamentais;
4.Manifesta o seu apoio e admiração aos deputados e aos representantes da sociedade civil ugandeses que tiveram a coragem de se levantarem e de se exprimirem publicamente contra o projeto de lei;
5.Considera que a gravidade da situação justifica uma forte resposta institucional e condenação e merece uma reação a todos os níveis da diplomacia da UE;
6.Recorda que este projeto de lei é apenas o último passo do Uganda na via preocupante que tem seguido há vários anos, no contexto de um aumento da retórica homofóbica entre políticos, líderes religiosos e outras figuras importantes da sociedade ugandesa, com uma pressão cada vez maior sobre a sociedade civil, bem como um aumento do discurso de ódio contra as pessoas LGBTIQ patrocinado pelo Estado, que incita ao ódio e à violência; condena estas manifestações de intolerância, preconceito e discriminação no século XXI;
7.Recorda ainda que a violência sexual contra as mulheres e as jovens é generalizada no Uganda e que existe uma correlação entre o ódio e a violência dirigidos contra as pessoas LGBTIQ e a violência contra as mulheres e a inexistência de igualdade de género;
8.Recorda que o Uganda tem sido pioneiro na luta contra o VIH e o estigma que lhe está associado; recorda que, em 2021, a prevalência do VIH em homens que têm relações sexuais com outros homens foi de 12,7%; observa com preocupação que esta percentagem é significativamente superior à dos homens heterossexuais e se situa acima da média nacional; salienta que a lei não deve ser utilizada para negar aos ugandeses o direito a serviços e medicamentos contra o VIH e insta o governo a proporcionar um melhor acesso a estes serviços; chama a atenção para as provas irrefutáveis apresentadas pela ONUSIDA de que a legislação visando a criminalização afasta as comunidades de serviços que salvam vidas;
9.Lamenta e condena vivamente a decisão do Gabinete Nacional Ugandês para as Organizações Não Governamentais, de 5 de agosto de 2022, de encerrar a Minorias Sexuais Uganda, a principal organização de direitos LGBTIQ do país; apoia de forma inabalável Frank Mugisha, fundador e líder desta organização, que dedicou a sua vida à luta pelos direitos das pessoas LGBTIQ no Uganda;
A situação da descriminalização no mundo
10.Condena inequivocamente todas as leis, práticas e posições oficiais que criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero;
11.Considera que estas leis são totalmente contrárias à legislação internacional em matéria de direitos humanos e violam os direitos humanos das pessoas LGBTIQ, nomeadamente o direito à vida, à privacidade, à liberdade, à segurança, à saúde e à liberdade de expressão, bem como a liberdade de reunião pacífica e de associação; considera que a criminalização da homossexualidade e da identidade transgénero cria uma situação de apartheid, privando parte da população da proteção do Estado e da lei, independentemente das penas previstas;
12.Insiste em que, ao proibir a sua existência, a criminalização da homossexualidade e da identidade transgénero torna as pessoas LGBTIQ num alvo, aumenta o risco de serem chantageadas pelas autoridades ou por outros cidadãos e incentiva o discurso de ódio, os crimes de ódio e a discriminação contra elas;
13.Recorda os riscos para a saúde causados pela criminalização da homossexualidade e da identidade transgénero, uma vez que a criminalização impede as políticas de saúde de base comunitária e impede as pessoas LGBTIQ de terem acesso a informações fiáveis sobre a sua saúde, em particular sobre o seu estatuto em relação ao VIH e prevenção, rastreio, investigação e tratamento respetivos;
14.Reitera a sua oposição inabalável à pena de morte em qualquer momento e em todas as circunstâncias; considera-a um tratamento desumano e degradante, contrário à dignidade humana;
15.Congratula-se com a tendência internacional positiva no sentido da descriminalização da homossexualidade, pois 49 Estados membros das Nações Unidas levaram a cabo reformas jurídicas nos últimos 30anos, como Moçambique em 2015, Belize e Seicheles em 2016, Trindade e Tobago e Índia em 2018, Botsuana em 2019, Gabão em 2020, Angola e Butão em 2021, Antígua e Barbuda, Singapura e Barbados em 2022 e as Ilhas Cook em 2023; recorda, no entanto, que existem também países onde as leis que criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo foram endurecidas ou reintroduzidas, como o Chade, o Brunei, a Nigéria e, por último, o Uganda, o que evidencia a necessidade de um movimento universal a favor da descriminalização; recorda precedentes em que organismos das Nações Unidas forneceram vias de recurso contra a criminalização, como o Conselho dos Direitos Humanos no caso Toonen v. Austrália, em 1994, e a CEDAW no caso Rosanna Flamer-Caldera v. Sri Lanca, em2022;
16.Recorda que a promoção dos ODS é uma responsabilidade que incumbe aos 193 Estados membros das Nações Unidas que os assinaram, incluindo o Uganda, e que devem servir o objetivo de «não deixar ninguém para trás»; reconhece a ligação inerente entre o respeito pelos direitos humanos das pessoas LGBTIQ e os ODS e entende que qualquer prática discriminatória, em particular uma prática que preveja a pena de morte, está em flagrante contradição com estes objetivos;
17.Refuta a narrativa desenvolvida por alguns líderes políticos e religiosos de que a homossexualidade e a identidade transgénero são conceitos ocidentais; recorda que a maioria das leis que criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero no mundo têm origem nas leis das potências colonizadoras ocidentais; lamenta a divulgação de propaganda contra as pessoas LGBTIQ por quaisquer intervenientes estrangeiros, incluindo os estabelecidos na Europa, ativos no Uganda; condena igualmente, a este respeito, o papel significativo desempenhado no Uganda e noutras partes do mundo pelos pregadores e pelas organizações evangélicas dos EUA na promoção de legislação contra as pessoas LGBTIQ e na propagação de desinformação nociva;
18.Refuta a narrativa de que a descriminalização da homossexualidade e da identidade transgénero violaria princípios religiosos fundamentais ou impediria a liberdade de religião; congratula-se, a este respeito, com as declarações do Papa, de 24 de janeiro de 2023, segundo as quais as leis que criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero são «injustas» e que «ser homossexual não é um crime»;
19.Manifesta a sua preocupação perante os atuais movimentos retóricos antidireitos, antigénero e anti-LGBTIQ mundiais, alimentados por alguns líderes políticos e religiosos em todo o mundo, incluindo na UE; considera que estes movimentos dificultam drasticamente os esforços para alcançar a descriminalização universal da homossexualidade e da identidade transgénero, uma vez que legitimam a retórica segundo a qual as pessoas LGBTIQ são uma ideologia e não seres humanos; condena veementemente a propagação dessa retórica por alguns líderes políticos e governos influentes na UE, tal como na Hungria, na Polónia e em Itália;
20.Manifesta a sua preocupação perante a aprovação, em alguns países, de projetos de lei denominados de propaganda anti-gay, que contribuem para uma cultura de intolerância e discriminação, e faz soar o alarme para a forma como essas leis podem ter um efeito de contágio noutros países, abrindo caminho à adoção de medidas mais severas, como a criminalização das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo e outros aspetos da orientação sexual, da identidade e da expressão de género e das características sexuais; observa que estudos recentes demonstram que as teorias da conspiração são cada vez mais populares em muitos Estados-Membros da UE; manifesta a sua preocupação de que o ódio, as conspirações e a desinformação em linha conduzam à violência não conectada e possam custar vidas; manifesta a sua preocupação pelo facto de a investigação da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans- e Intersexo(2) mostrar que 2022 foi o ano mais violento para a comunidade LGBTIQ em resultado do discurso de ódio e da desinformação;
21.Manifesta a sua preocupação perante a crescente tendência para a criminalização das pessoas LGBTIQ em algumas zonas de África, como no Gana, no Níger e no Quénia, onde foram propostos e estão a ser analisados projetos de lei semelhantes ao projeto de lei ugandês pelos respetivos parlamentos dos países, e com a probabilidade de a promulgação do projeto de lei do Uganda ter um impacto significativo nos resultados desses projetos de lei;
22.Louva o trabalho das organizações da sociedade civil de base centradas nos direitos humanos em todo o mundo, que trabalham incansavelmente para proteger e defender as pessoas LGBTIQ e lutam contra o estigma e os preconceitos, por vezes em detrimento da segurança dos seus membros; considera que os Estados-Membros e a UE devem apoiar estas organizações e ativistas da sociedade civil, incluindo financeiramente;
23.Recorda que a proteção dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais em todo o mundo é uma prioridade para a UE e que a descriminalização universal da homossexualidade e da identidade transgénero é um objetivo que a UE deve continuar a prosseguir durante o tempo necessário;
Apelo à ação
24.Apela à descriminalização universal da homossexualidade e da identidade transgénero;
25.Apela à abolição universal da pena de morte;
26.Exorta os 63 países que ainda não o fizeram a respeitarem o Direito Internacional e a tomarem todas as medidas necessárias, legislativas ou outras, para que a orientação sexual e a identidade de género deixem de estar na base de sanções penais;
27.Insta o Presidente ugandês Yoweri Museveni a não promulgar o projeto de lei e a recusar-se categoricamente a dar o seu parecer favorável a qualquer futura iniciativa de natureza semelhante, dissuadindo novas tentativas neste sentido; exorta as autoridades ugandesas a promoverem os princípios da tolerância, da aceitação e do respeito pelos direitos humanos e a reverem qualquer lei que criminalize a homossexualidade e a identidade transgénero, nomeadamente nos termos dos artigos145.º e 146.º do Código Penal; insta as autoridades ugandesas a investigarem, julgarem e punirem todos os ataques por motivos de ódio perpetrados contra pessoas e organizações em resultado da aprovação do projeto de lei, bem como a porem termo a quaisquer atos de represália, como rusgas e o bloqueio de contas bancárias, contra as organizações da sociedade civil envolvidas na defesa dos direitos humanos e das pessoas LGBTIQ, uma vez que estas últimas são fundamentais para a prestação de serviços comunitários;
28.Insta a Comissão e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) a utilizar todos os meios diplomáticos, jurídicos e financeiros necessários à sua disposição para convencer o Presidente do Uganda a abster-se de assinar o projeto de lei aprovado pelo Parlamento ugandês; insta ainda a UE a utilizar plena e eficazmente o diálogo político previsto no artigo8.º do Acordo de Cotonu, bem como o pacote de instrumentos do Conselho da UE para promover e proteger a fruição de todos os direitos humanos por parte das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT Toolkit) e as orientações que o acompanham no seu diálogo com as autoridades ugandesas, a fim de ajudar a promover os direitos humanos no Uganda, descriminalizar a homossexualidade, reduzir a violência e a discriminação e proteger os defensores dos direitos humanos das pessoas LGBT;
29.Exorta o perito independente das Nações Unidas em matéria de proteção contra a violência e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género a colaborar rapidamente com o Presidente e o Parlamento da República do Uganda, os ativistas LGBTIQ e as autoridades ugandesas, a fim de obter um acesso sem restrições ao país;
30.Caso o projeto de lei seja assinado pelo Presidente do Uganda:
–
insta a Comissão a ponderar a retirada das preferências TMA ao Uganda, em conformidade com o artigo19.º do Regulamento (UE) n.º978/2012(3), com base em violações graves e sistémicas dos direitos humanos;
–
apela a uma ação imediata ao abrigo da cláusula «elementos essenciais» do Acordo de Cotonu;
–
insta o Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) a considerar a possibilidade de acionar o regime global de sanções da UE em matéria de direitos humanos, uma vez que este se aplica rigorosamente às violações ou aos abusos previstos no projeto de lei;
–
insiste em que as decisões tomadas e as sanções adotadas em relação ao Uganda devem visar e afetar prioritariamente os líderes políticos e religiosos que instigaram e apoiaram o projeto de lei; exorta a Comissão a orientar a sua cooperação e o seu apoio para o reforço das organizações ugandesas de pessoas LGBTIQ e de direitos humanos e insta o SEAE, a Delegação da UE no Uganda e as embaixadas dos Estados-Membros no Uganda a apoiarem os membros, os parceiros e os aliados da comunidade através de um pacote de apoio específico para as pessoas LGBTIQ;
–
insta o SEAE a intensificar os seus esforços para garantir que os defensores dos direitos humanos ugandeses tenham acesso a financiamento, apoio, proteção, recolocação, vistos e abrigo, se for caso disso, em conformidade com as Diretrizes da UE relativas aos Defensores dos Direitos Humanos;
31.Insta a Comissão, sob a supervisão do VP/AR, a mobilizar todas as políticas externas da UE para alcançar o objetivo de estabelecer uma estratégia da UE para a descriminalização universal da homossexualidade e da identidade transgénero, que inclua as seguintes medidas:
–
criar uma ampla coligação entre todos aqueles dispostos a apoiar estes esforços no seio da comunidade internacional, centrada em instrumentos internacionais como as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas;
–
tornar a descriminalização um requisito de acesso ao Sistema de Preferências Generalizadas, incluindo o regime TMA, e retirar da lista TMA todos os países que continuem a criminalizar atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo;
–
ponderar a inclusão de uma cláusula de «não retrocesso em matéria de direitos humanos» nos seus acordos de parceria internacionais, através da qual uma parceria, incluindo os seus aspetos financeiros, possa ser suspensa se um país parceiro retroceder em matéria de direitos humanos, nomeadamente através da criminalização da homossexualidade ou da identidade transgénero;
–
abordar sistematicamente a questão da descriminalização de atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e de identidades de género diversas, bem como da prestação de cuidados positiva em termos de género, nas cimeiras UE-União Africana, bem como em todas as cimeiras que envolvam os países em causa, e colocar o tema no centro dos futuros debates;
–
incluir medidas contra os sistemas de recomendação baseados na interação nas redes sociais no próximo pacote de defesa da democracia, uma vez que é sabido que estes sistemas amplificam o ódio e a desinformação;
–
efetuar contributos proativos e sistemáticos da UE para a revisão periódica universal de todos os países que ainda criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero, apelando aos seus governos para que revoguem essa legislação;
–
alargar o apoio financeiro às organizações de base das pessoas LGBTIQ e de direitos humanos sediadas em países que criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero e criar um fundo específico da UE para prestar apoio financeiro, técnico e judiciário a estas organizações, bem como aos advogados envolvidos na impugnação destas leis em tribunais internacionais;
–
inspirar-se na decisão de março de 2023 sobre sanções baseadas na violência sexual e noutras violações dos direitos das mulheres para conceber um acionamento mais sistemático do regime global de sanções da UE em matéria de direitos humanos contra indivíduos e entidades responsáveis por perpetuar ou incitar à violência contra as pessoas LGBTIQ, especialmente em países que continuem a ter e a aplicar disposições criminalizadoras;
32.Salienta a importância de vias seguras e legais da UE para as pessoas que necessitam de proteção internacional, incluindo as pessoas LGBTIQ que fogem de países onde correm o risco de ser perseguidas devido à sua orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais;
o oo
33.Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados‑Membros da UE, ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ao Presidente, ao Governo e ao Parlamento do Uganda, também traduzida para suaíli, e às autoridades dos 63 outros países que ainda criminalizam a homossexualidade e a identidade transgénero.
Regulamento (UE) n.º 978/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas e que revoga o Regulamento (CE) n.º 732/2008 do Conselho (JO L 303 de 31.10.2012, p. 1).