PROPOSTA DE RESOLUÇÃOsobre a lei de segurança nacional da RPC para Hong Kong e a necessidade de a UE defender o elevado grau de autonomia de Hong Kong
10.6.2020
Kati Piri, Evelyne Gebhardt, Tonino Picula
Ver igualmente a proposta de resolução comumRC-B9-0169/2020
9‑0171/2020
Resolução do Parlamento Europeu sobre a lei de segurança nacional da RPC para Hong Kong e a necessidade de a UE defender o elevado grau de autonomia de Hong Kong
O Parlamento Europeu,
–Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre Hong Kong, nomeadamente a de 17 de julho de 2019 sobre a situação em Hong Kong[1], a de 24 de novembro de 2016 sobre o caso de Gui Minhai, editor detido na China[2], a de 4 de fevereiro de 2016 sobre o caso dos editores desaparecidos em Hong Kong[3], a de 15 de dezembro de 2005 sobre a situação dos direitos do Homem no Tibete e em Hong Kong[4], a de 8 de abril de 2003 sobre o Terceiro e o Quarto Relatórios Anuais da Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre a Região Administrativa Especial de Hong Kong[5], a de 19 de dezembro de 2002 sobre Hong Kong[6], a de 26 de outubro de 2000 sobre o Primeiro e o Segundo Relatórios Anuais da Comissão Europeia sobre a Região Administrativa Especial de Hong Kong[7], a de 8 de outubro de 1998 sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho sobre a União Europeia e Hong Kong depois de 1997[8], e a de10 deabril de1997 sobre a situação em Hong Kong[9],
–Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a China, nomeadamente as de12 desetembro de2018, sobre as relações UE-China[10], e 16 dedezembro de2015, sobre as relações UE-China[11],
–Tendo em conta a sua recomendação ao Conselho, à Comissão e à alta representante/vice-presidente da comissão da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR), de 13 de dezembro de 2017, sobre Hong Kong, 20anos após a sua integração na China[12],
–Tendo em conta a Lei Básica da Região Administrativa Especial (RAE) de Hong Kong, adotada em4 deabril de1990, que entrou em vigor em1 dejulho de1997,
–Tendo em conta a Declaração Conjunta do Governo do Reino Unido e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Hong Kong, de19 dedezembro de1984, também conhecida como Declaração Conjunta Sino-Britânica,
–Tendo em conta a comunicação conjunta da Comissão e da VP/AR ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 8 de maio de 2019, intitulada «UE-China – Uma perspetiva estratégica», Relatório anual de 2018 (JOIN(2019)0008) e os outros 20 relatórios similares que o precederam,
–Tendo em conta o 13.º diálogo estruturado anual, que teve lugar em Hong Kong em 28 de novembro de 2019,
–Tendo em conta a comunicação conjunta da Comissão e da VP/AR ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 12 de março de 2019, intitulada «UE-China – Uma perspetiva estratégica» (JOIN(2019)0005),
–Tendo em conta a política «uma só China» da UE,
–Tendo em conta as declarações proferidas pelo VP/AR em Hong Kong em de 22 de maio e 29 de maio de 2020,
–Tendo em conta o artigo 143.º do seu Regimento,
A.Considerando que a Declaração Conjunta Sino-Britânica de 1984 e a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong Kong, de 1990, estipulam que Hong Kong manterá a autonomia e a independência do poder executivo, legislativo e judicial, bem como os direitos e as liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, de reunião, de associação e de imprensa, por um período de 50anos após a transferência da soberania; que tanto a Declaração Conjunta como a Lei Básica consagram o princípio «um país, dois sistemas», tal como acordado entre a China e o Reino Unido;
B.Considerando que, em 2003, o Governo de Hong Kong tentou promulgar o projeto de lei 2003 de segurança nacional (disposições legislativas) para cumprir o requisito previsto no artigo23.º da Lei Básica de adotar «a sua própria» legislação de segurança nacional; que o projeto de lei foi abandonado após as manifestações de massas;
C.Considerando que, em 2019, foi proposto um projeto de alteração da lei da extradição que previa a possibilidade de extradição para a China, o que desencadeou as manifestações maciças de 2019- 2020 em Hong Kong, e que foi posteriormente retirado;
D.Considerando que a terceira sessão do 13.º Congresso Nacional Popular debateu o projeto de lei, intitulado «Decisão do Congresso Nacional Popular sobre o estabelecimento e a completação do sistema jurídico e dos mecanismos de aplicação da Região Administrativa Especial de Hong Kong para salvaguardar a segurança nacional», apresentado pelo Comité Permanente do Congresso Nacional Popular para revisão; que a decisão foi promulgada em 28 de maio de 2020; que o projeto de lei contém sete artigos; que o artigo1.º reitera a importância de «um país, dois sistemas» e a «governação em conformidade com a lei» e afirma que o «Estado» «completará» mecanismos jurídicos e de aplicação para preservar a segurança nacional; que o artigo2.º estipula que o Estado deterá e punirá a utilização de Hong Kong por «forças ultramarinas» para atividades separatistas, subversivas ou destrutivas; que o artigo3.º refere que a responsabilidade constitucional de Hong Kong é manter a soberania da China e exige que Hong Kong adote legislação de segurança nacional «o mais rapidamente possível», e a do seu poder executivo, legislativo e judicial é «deter e punir comportamentos que ponham em perigo a segurança nacional»; que o artigo4.º exige que Hong Kong estabeleça instituições para proteger a segurança nacional e prevê uma presença do governo central em Hong Kong para preservar a segurança nacional; que o artigo5.º exige a apresentação regular de relatórios pelo chefe do Executivo de Hong Kong sobre a segurança nacional; que o artigo6.º autoriza o Comité Permanente do Congresso Nacional Popular a elaborar uma lei de segurança nacional e a incluí-la no AnexoIII da Lei Básica; que o artigo7.º estabelece que a decisão, no seu conjunto, produz efeitos a partir da promulgação;
E.Considerando que o artigo18.º, n.º3, da Lei Básica estabelece que as leis a aditar ao AnexoIII da Lei Básica pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional «se limitam às relativas à defesa e aos negócios estrangeiros, bem como a outras questões da autonomia da [RAE de Hong Kong], tal como especificado na presente lei» e, consequentemente, existem sérias preocupações, porquanto o artigo18.º, n.º3, não confere ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional a competência para legislar nestes domínios em Hong Kong;
F.Considerando que há sérias suspeitas em relação a dois aspetos regulamentados pela lei: o primeiro diz respeito ao facto de as consultas serem inadequadas e de não haver qualquer garantia de que a lei venha a ser conforme com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que está «consagrado na Lei Básica»; o segundo prende-se com a presença de órgãos de segurança da China continental, prevista no artigo4.º da decisão, conquanto não seja claro se os seus agentes seriam obrigados a cumprir o direito de Hong Kong, ou como poderia a sua implantação ser compatível com o artigo22.º, n.º1, da Lei Básica, que proíbe a interferência em assuntos geridos pela RAE de Hong Kong «agindo por sua iniciativa»;
G.Considerando que o movimento pan-democrático de Hong Kong, as organizações de defesa dos direitos humanos e a comunidade internacional criticaram a decisão como ameaça ao princípio «um país, dois sistemas», ao Estado de direito e às liberdades cívicas, bem como uma violação direta dos compromissos internacionais da China;
H.Considerando que, em 6 de junho de 2020, 17 dos 18 conselhos distritais organizaram uma reunião conjunta para debater as disposições legislativas da lei nacional de segurança, na qual participaram 329 dos 458 conselheiros, e que todos os 17 conselhos distritais aprovaram a proposta de revogação da lei de segurança nacional;
I.Considerando que a UE e o Parlamento são acérrimos defensores do princípio «um país, dois sistemas» e do elevado nível de autonomia de Hong Kong, sob a soberania da China;
J.Considerando que, em várias ocasiões ao longo dos últimos anos, a população de Hong Kong saiu às ruas em números sem precedentes, exercendo o seu direito fundamental de reunião e de manifestação; que, em vez de reduzir as atuais tensões na política e na sociedade de Hong Kong, esta lei intensifica a agitação existente; que, ao proibir-se a «subversão» como ato que põe em perigo a segurança nacional da China, a proteção da liberdade de reunião e de expressão em Hong Kong deixou de estar garantida;
K.Considerando que a nova lei de segurança nacional habilita o governo de Hong Kong a reprimir energicamente os manifestantes pacíficos por «atos e atividades que ponham em risco a segurança nacional» com o auxílio tanto da República Popular da China (RPC), como das forças de segurança específicas de Hong Kong; que há relatos segundo os quais os serviços de aplicação da lei da China continental operam ilegalmente em Hong Kong; que qualquer operação dos serviços de aplicação da lei da RPC em Hong Kong constitui uma violação grave do princípio «um país, dois sistemas»;
L.Considerando que, nas eleições para o Conselho Distrital de Hong Kong de 24 de novembro de 2019, o movimento pró-democracia obteve uma vitória esmagadora, com 388 dos 479 lugares e 17 dos 18 conselhos distritais, perante uma taxa de participação eleitoral sem precedentes de 71%;
M.Considerando que a União Europeia está profundamente preocupada com a lei de segurança nacional da RPC para Hong Kong; que esta é uma questão sensível, com consequências potencialmente vastas para Hong Kong e os seus cidadãos, para os cidadãos europeus e estrangeiros, para as organizações da sociedade civil europeias e internacionais, bem como para a confiança das empresas em Hong Kong; que cerca de 2200 empresas da UE têm a sua sede em Hong Kong, onde residem cerca de 350000 cidadãos da UE; que a entrada em vigor da lei de segurança nacional aumentaria os riscos para os cidadãos da UE em Hong Kong;
1.Condena a adoção unilateral de legislação de segurança nacional em Hong Kong por Pequim, na medida em que tal representa um ataque global à autonomia, ao Estado de direito e às liberdades fundamentais desta cidade; sublinha que a integridade do princípio «um país, dois sistemas» está seriamente ameaçada;
2.Apela à retirada total da lei «Decisão do Congresso Nacional Popular sobre o estabelecimento e a melhoria do sistema jurídico e dos mecanismos de aplicação da Região Administrativa Especial de Hong Kong para salvaguardar a segurança nacional», que prejudicaria o estatuto internacional de Hong Kong ao erodir a sua autonomia, a independência do sistema judicial e o respeito pelos direitos humanos; frisa que a lei provocará uma fuga de talentos e afetará os processos empresariais, tendo desencadeado, nas últimas semanas, novas manifestações em Hong Kong;
3.Salienta que a adoção da projetada lei de segurança nacional seria encarada como uma violação dos compromissos e obrigações da RPC ao abrigo do direito internacional, nomeadamente a Declaração Conjunta Sino-Britânica, ameaçando prejudicar gravemente a relação de confiança entre a China e a UE e a sua cooperação no futuro;
4.Insta a Comissão a utilizar todos os meios à sua disposição, juntamente com as negociações em curso sobre um acordo bilateral de investimento, para pressionar as autoridades chinesas a preservarem o elevado grau de autonomia de Hong Kong, bem como os direitos e liberdades fundamentais dos seus cidadãos e das organizações independentes da sociedade civil, e a melhorarem a situação dos direitos humanos no continente e em Hong Kong; reitera o seu apelo a que seja incluído um capítulo vinculativo sobre desenvolvimento sustentável no acordo, e solicita a integração de uma cláusula penal rigorosa para os casos de violação do Tratado;
5.Insta a Comissão Europeia e os Estados-Membros a abordarem a questão da lei de segurança nacional para Hong Kong como prioridade absoluta na ordem de trabalhos da Cimeira UE-China com todos os 27 Estados-Membros, e a abordarem esta questão de forma resoluta nas consultas diplomáticas de preparação da cimeira;
6.Condena veementemente todos os casos de violação dos direitos humanos, nomeadamente as detenções arbitrárias, as entregas, as confissões forçadas, a detenção em regime de incomunicabilidade e as violações da liberdade de publicação e de expressão; apela ao fim imediato das violações dos direitos humanos e da intimidação política; manifesta a sua profunda preocupação com as práticas de detenção secreta, tortura e maus tratos e confissões forçadas;
7.Apela à libertação imediata e incondicional e à retirada de todas as acusações contra todos os manifestantes pacíficos de Hong Kong, nomeadamente Martin Lee, Margaret Ng, Lee Cheuk-yan, Benny Tai, Jimmy Lai, Albert Ho e Leung Kwok-hung; solicita a realização de uma investigação independente, imparcial, eficaz e rápida sobre o uso da força pela polícia de Hong Kong contra os manifestantes;
8.Apela à libertação imediata e incondicional do editor sueco Gui Minhai, detido na RPC;
9.Insta as instituições da UE e os Estados-Membros a oferecerem todo o apoio necessário aos ativistas dos direitos humanos em Hong Kong, em total conformidade com as orientações pertinentes da UE;
10.Insta os Estados-Membros da UE no Conselho de Segurança das Nações Unidas a tomarem as diligências necessárias para convocar uma reunião segundo a «fórmula Arria» para debater a situação em Hong Kong com ativistas, representantes de organizações não governamentais (ONG) e relatores especiais das Nações Unidas; solicita, neste contexto, que se explore a possibilidade de o Secretário-Geral da ONU ou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos nomearem um Enviado Especial das Nações Unidas para a situação em Hong Kong;
11.Insta as instituições da UE e os Estados-Membros a monitorizarem e apresentarem relatórios sobre os preparativos das eleições para o Conselho Legislativo (previstas para o mês de setembro), dando particular atenção à questão de saber se os candidatos são discriminatoriamente impedidos de se candidatar às eleições e se a nova lei de segurança nacional não será utilizada para subverter o processo eleitoral e erodir os direitos fundamentais e políticos dos cidadãos da RAE de Hong Kong, tal como previsto na Lei Básica;
12.Reitera o seu apelo a uma reforma sistemática que implemente eleições diretas para o cargo de Chefe do Executivo e para o Conselho Legislativo, tal como consagrado na Lei Básica, e apela a um acordo sobre um sistema eleitoral globalmente democrático, justo, aberto e transparente, que conceda ao povo da RAE de Hong Kong o direito de eleger candidatos e de se candidatar a eleições para todos os cargos de liderança;
13.Insta a UE, os seus Estados-Membros e a comunidade internacional a trabalharem no sentido da imposição de mecanismos adequados de controlo das exportações para impedir o acesso da China a tecnologias utilizadas para violar os direitos humanos;
14.Insta os Estados-Membros a chegarem rapidamente a acordo sobre um regime global de sanções da UE para as violações dos direitos humanos e insta o Conselho a adotar sanções específicas e o congelamento de bens contra os funcionários chineses responsáveis pela conceção e aplicação de políticas que violem os direitos humanos;
15.Recorda a importância de a UE continuar a levantar a questão das violações dos direitos humanos na China, nomeadamente no caso das minorias no Tibete e em Xinjiang, em todos os diálogos sobre questões políticas e direitos humanos com as autoridades chinesas, em conformidade com o compromisso assumido pela UE de, no seu relacionamento com este país, projetar uma voz forte, clara e unificada; recorda, além disso, que, no contexto do seu processo de reformas em curso e do crescente empenho global, a China aderiu ao quadro internacional em matéria de direitos humanos, assinando uma vasta gama de tratados internacionais sobre direitos humanos; insta, por conseguinte, a UE a prosseguir o diálogo com a China, para garantir que esta respeitará estes compromissos;
16.Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao vice-presidente da Comissão/alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Governo e ao Parlamento da República Popular da China e ao Conselho Legislativo de Hong Kong.
- [1] Textos aprovados, P9_TA(2019)0004
- [2] JO C 224 de 27.6.2018, p. 78.
- [3] JO C 35 de 31.1.2018, p. 46.
- [4] JO C 286E de 23.11.2006, p. 52.
- [5] JO C 64E de 12.3.2004, p. 130.
- [6] JO C 31E de 5.2.2004, p. 261.
- [7] JO C 197 de 12.07.2011, p.115.
- [8] JO C 328 de 26.10.1998, p. 139.
- [9] JO C 132 de 28.4.1997, p. 222.
- [10] JO C 433 de 23.12.2019, p. 103.
- [11] JO C 399 de 24.11.2017, p. 92.
- [12] JO C 369 de 11.10.2018, p. 156.